sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Meus Secretos Amigos




“Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade, e eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências...

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar!

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.

E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo. Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me uma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer...

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!”

A gente não faz amigos, reconhece-os.

(Garth Henrichs)
Obs.: Lê, te amo demais...


domingo, 6 de fevereiro de 2011

África? O que é África?

Não! Definitivamente a África não é uma tribo.

O triste é saber que a visão mundial hoje está deformada e o que era pra ser ponto pacífico entre os demais quatro continentes, torna-se uma verdade estonteante ...

Em conversas corriqueiras, em bares, mesas de almoço, entre os amigos do meio acadêmico ou não, é possível perceber que para muitos a África não deixou de ser (ou nunca foi) um continente múltiplo e rico em sua cultura e diversidade étnica. Mesmo depois do processo violento da partilha (que dividiu o continente através de limites artificiais em países conforme os interesses europeus), o continente ainda persiste na cabeça de inúmeras pessoas como um local único, um bloco, de onde foram tirados os negros para o abastecimento do tráfico negreiro (consciência dada pelo fato da inserção dos negros africanos dentro da história dos livros didáticos); pedaço do mundo dominado pela AIDS e onde até mesmo criancinhas morrem de fome em meio a tanta miséria; e, é claro, o mais clássico exemplo: continente onde habitam os mais exóticos animais como girafa, zebra, leão e ... ah! o temível gorila! Efeitos da mídia e suas peripécias.

Não que os fatos supracitados fujam da verdade, apenas creio que encubram a realidade. É necessário e possível ver o continente africano com outros olhos: com os olhos da arte, seja ela plástica ou cinematográfica, como é o caso Moçambique e Nigéria, respectivamente; com os olhos em nações, como é o caso de Angola, que vem adquirindo um crescimento monstruoso no PIB em relação a outros países fora do continente. Hoje, a África possui sim seus problemas mas não tem só essa cara triste e faminta que muitas vezes lhe é pintada.

É possível ter uma noção de suas múltiplas faces, suas cores e suas tintas através da obra de dois grandes nomes das Artes Plásticas no continente, nomes estes que são referência em grandes exposições na Europa e Estados Unidos: Malangatana e Rodrigo Pombeiro. Dois artistas que não tomaram para si o ideal de arte européia, apenas foram beber em suas fontes e, o que antes era padrão, tornou-se uma arte com a cara da África, suas vivências, seus sofrimentos, sua história.

Valente Malangatana é nativo de Matalana, sul de Moçambique. Tendo uma infância e juventude muito humilde, o mesmo começou a trabalhar num clube na cidade de Maputo como gandula, onde fez contatos que possibilitaram mais tarde sua ascensão como artista. Tem sua arte exposta nos museus de todo mundo e possui declarações honrosas proferidas pelo diretor geral da UNESCO, instituição para qual também já produziu obras. Outro moçambiquenho, Rodrigo Pombeiro, realizou boa parte de seus estudos em Lisboa e, em seguida regressou à África, tendo também residido por certo tempo no Brasil. É nome presente nas mais requintadas exposições, como por exemplo: "I Salão de Arte Moderna de Moçambique"(1966), na "Design e Circunstância" na Sociedade de Belas Artes de Lisboa (1982), na "Reencontro" no Maputo (1990), "Sons D'África" em Macau (1991), no "AD LIBITUM" em Brasília.

Ao ver a tela de Malangatana abaixo é possível a nítida impressão de estar frente aos horrores da guerra. O quadro em tons avermelhados nos deixa à vista rostos espremidos com olhos que parecem pular da tela. E o nome da obra deixa mais flagrante este teor insensato do que é a guerra, pois em “Perturbação na Floresta” não ocorre a utilização de tons verdes que possibilitariam a interpretação de uma floresta, há apenas a exaltação do tom avermelhado que nos deixa a sensação do sangue africano derramado em guerrilhas. Com uma análise mais minuciosa é possível enxergar animais, como aves e pequenos mamíferos, mas todos eles não fogem ao tom de vermelho, nem mesmo as máscaras e ornamentos tribais estão livres desse “sangrento massacre”, deixando transparecer a idéia de que até os ritos das tribos africanas foram enormemente atingidos pela brutal violência ali flagrante, prova isso o fato da partilha européia já mencionada.

Perturbação na Floresta – Valente Malangatana (Óleo sobre tela - 89 x 153 cm - 1987)


São inúmeras as vozes que dizem que o trabalho de Malangatana estabelece uma relação de harmonia entre homem, natureza e animais. Sua obra é toda baseada em sua vivência, mas em nenhum momento descarta símbolos do progresso e da modernidade, que hoje se apresentam em grande parte do continente.

Já em Rodrigo Pombeiro nota-se uma tela alegre, que faz relato a uma gente também alegre e esperançosa por dias de paz. A obra “A Guerra Acabou?” vem nos contar de um povo cansado de guerrilhas civis e sedentos de igualdade social e racial. É possivel a interpretação de uma pomba representando a paz sendo ligeiramente envolvida por uma serpente que, no caso, representaria toda a opressão de um regime ditatorial existente, se não na prática, na memória dos habitantes de Moçambique... Extremamente colorida se opõe, de certa forma, à tela de Malangatana.

A Guerra Acabou? – Rodrigo Pombeiro (Acrílico sobre tela - Coleção do Artista)


Mas é preciso ainda enxergar uma continuidade entre as duas telas que, na minha concepção, são traços de um movimento de evolução rumo à quebra de estigmas e preconceitos. Muito embora, seja preciso destacar que os movimentos artísticos que se dão nos vários países do continente apenas chegam até nós porque são permitidos... Ainda há uma grande barreira de repressão governamental que dita o que se deve ou não ser divulgado. Sendo assim, é pesaroso refletir que tem muita coisa boa produzida, seja no campo das artes plásticas, da literatura, da música que nunca chegará aos nossos sentidos. Um centro de riquezas sendo consumido pela pobreza de espírito presente em alguns de seus governantes! O mundo e suas contrariedades...

As Artes Plásticas são um dos inúmeros exemplos que constatam a realidade de um continente rico e ainda pouco conhecido por uma sociedade que só tem valorizado os aspectos estereotipados. Há a necessidade de que se desmanche na memória das pessoas o lado negativo do continente tão diverso em culturas, porque afinal de contas a África nunca foi, nem nunca vai ser uma tribo...


Aline Viana


Texto originalmente publicado em: http://www.revistacontemporaneos.com.br/ (Revista Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades)